sobre livros e a vida

02/07/2016

[Semana LGBTQA+] :: Depoimentos

Oi, gente. Tudo bem?

Para o post de hoje da Semana Especial, convidei alguns autores e profissionais do livro para contarem um pouco mais sobre o porquê de terem se aventurado nesse universo e quais suas maiores dificuldades e anseios. Vamos conferir?!
Lisa Williamson – Autora de A Arte de Ser Normal.

Em 2010, eu consegui um emprego como administradora no Serviço de Desenvolvimento de Identidade de Gênero (um programa do Serviço Nacional de Saúde que oferece sessões de terapia para menores de 18 anos que possuem “problemas” com sua identidade de gênero). Isso era para ser apenas algo temporário entre empregos mas eu acabei ficando lá por 2 anos! Como parte do trabalho eu digitava as notas de cada sessão de terapia individual e acabei conhecendo muitas histórias incríveis – felizes, tristes, dolorosas, triunfantes – todas elas muito tocantes e completamente diferentes. Eu estava escrevendo outra coisa na época então demorei um pouco para perceber que eu tinha em minhas mãos uma incrível e riquíssima fonte de pesquisa e que na verdade eu deveria estar escrevendo sobre isso. Então eu comecei a procurar por livros de ficção protagonizados por pessoas trans e encontrei pouquissimos. Rapidamente ficou claro para mim que jovens transsexuais são pobremente representados nas artes e na mídia e então me dediquei bastante em fazer algo em relação a isso e se possível colocando as experiências desses adolescentes como o coração da história.
Becky Albertalli – Autora de Simon vs. a Agenda Homo Sapiens.

Para Simon vs. a Agenda Homo Sapiens, meu processo iniciou com os personagens. Eu tinha essa imagem completamente clara do Simon na minha cabeça – quem ele era, qual era sua aparência, sua obsessão por Oreo, e o fato de que ele era gay. Todo o resto veio organicamente. Foi quase como se tudo seguisse a voz de Simon para encontrar a história. Eu sabia que eu queria que ele se apaixonasse, e eu sabia que teria um final feliz. A ideia dos e-mails veio um pouco depois, e a chantagem veio bem depois. Eu sou constantemente perguntada sobre o que me inspirou a escrever uma história sobre um adolescente gay. É difícil de explicar! Antes de começar a escrever, eu era uma psicóloga clínica e eu trabalhava com muitas crianças, adolescentes e adultos LGBT. Mas eu odiava o quão clínico aquilo soava. Eu também tenho muitos amigos e familiares da comunidade LGBTQIAP+, e eu acho que o livro é, em algumas maneiras, uma canção de amor para eles.

Benjamin Alire Sáenz – Autor de Aristóteles & Dante Descobrem os Segredos do Universo.

Eu nunca estabeleci que escreveria um romance gay. Eu acho que não sei exatamente o que é um romance gay. Quando eu sentei para escrever Aristotle and Dante Discover the Secrets of the Universe, eu fiz o que eu sempre faço quando eu escrevo um romance, eu comecei com um personagem que se encontra em uma crise. No caso de Ari, ele era um garoto miserável e solitário e não entendia muito bem o por quê. Eu imediatamente soube que Ari estava bem no início de sua autodescoberta. E porque eu tinha acabado de aceitar minha sexualidade, eu decidi que o romance seria sobre um jovem garoto descobrindo sobre sua sexualidade. Sua jornada é confusa, dolorosa e, no final, linda. Enquanto eu escrevia, foi possível afirmar que esse romance era minha própria maneira de me assumir de um modo público e eu acho, também, que Ari e Dante é um romance gay no sentido de que ambos os protagonistas são gays. Mas para mim, criar um romance sobre dois garotos sofrendo para se aceitarem como são foi uma maneira de mostrar para qualquer um que o lesse que garotos gays são simplesmente garotos e que assim como qualquer outra pessoa, merecem ser amados e respeitados. Pela primeira vez na minha vida eu fui capaz de escrever sobre personagens gays e o livro, de certa maneira, foi um presente para mim. Eu nunca li romances gays. Shame on me. Minha única motivação foi, como eu disse, ajudar pessoas a entenderem que o amor entre dois garotos é real e lindo, assim como o amor entre um garoto e uma garota. Nenhum dos meus livros recebeu a atenção que Ari e Dante está recebendo e eu não sei qual o motivo. Eu tenho uma teoria de que eu escrevi um livro em um momento culturalmente correto, em que as pessoas estavam prontas para recebê-lo. E eu sou muito grato por ter leitores que respondem com tanta generosidade e amor pelo livro que escrevi. Eu nunca imaginei receber cartas e e-mails de jovens garotos e garotas de lugares como Filipinas, Brasil, Colômbia, Alemanha, França, Coreia, México e Inglaterra e todas as histórias me tocaram. Você não tem ideia de como isso é importante para mim, pois essa sempre foi minha motivação para escrever: eu queria tocar pessoas. Eu queria lembrar meus leitores da sua própria beleza e de sua própria humanidade. Como eu me sinto sobre tudo isso? Meu coração está cantando. Meu coração está cantando. É exatamente como eu me sinto. Eu sinto como se eu fosse o homem mais sortudo do mundo. E me deixe dizer novamente: eu sou muito grato a todos os meus leitores. Nós, apesar de tudo, pertencemos um ao outro. Estamos todos viajando nessa jornada rumo a compreensão humana.
Vinícius Grossos – Co-autor de 1 + 1 – A Matemática do Amor.

Foi um desafio escrever um livro abordando essa temática, porque tentei ao máximo sair do lugar comum, e tentar tirar um pouco da estigma que o peso que um livro LGBT geralmente traz. Com o 1+1, eu e o Augusto tentamos ao máximo fazer uma história leve, de descoberta e primeiro amor. Para mim a maior dificuldade foi escrever a 2; aprender a respeitar a ideia do outro e tentar convencer até a mim mesmo de que a ideia que eu tive talvez fosse bacana para o projeto. Quanto a questão da representatividade LGBT, eu sinceramente não senti tantas dificuldades. São personagens como quaisquer outros, ao menos para mim. E acho que essa naturalidade tem que aparecer de forma mais constante na literatura. Quando criei o Bernardo de 1+1, quis mostrar que ser gay é apenas uma das características dele, mas não o que o define, o que o caracteriza. O Bernardo é um garoto normal, com sonhos, qualidades e defeitos. Tentei colocar isso no papel. E sim, o Bê tem muito de mim: acho que a personalidade mais brincalhona, descontraída e carinhosa. O retorno do público é o mais gratificante… Receber um abraço, um muito obrigado, por alguém que finalmente consegue se enxergar na literatura. Não tem preço! Quanto à publicação, não tive dificuldades porque a minha editora já conhecia o meu trabalho, e inicialmente eu já havia comentado com o meu editor o teor do trabalho, que recebeu o original com muito entusiasmo, na verdade. Mas sei que em outras editoras não é bem assim que as coisas funcionam, infelizmente.
L. L. Alves – Autora de Inexplicável Melodia.

“Inexplicável Melodia” foi uma das obras mais intensas e desafiadoras que tive a honra de criar. Estava com a ideia de escrever um livro com a temática LGBT já fazia alguns anos, mas não me sentia preparada. A vontade surgiu de conversas com amigos que me contavam seus medos, inseguranças e desafios por serem homossexuais. Aos poucos foi nascendo a necessidade de contar a história de Arthur e abordar seus dramas familiares e pessoais; dar vida a uma personagem similar aos meus amigos e guiá-la em sua jornada. Com a proximidade do NaNoWriMo 2015 (evento mundial em que tentamos concluir um romance de 50 mil palavras em um mês), decidi me focar neste projeto. Desenvolvi todos os capítulos e o que abordaria, sempre com ajuda de pessoas que vivenciaram preconceitos, e comecei a escrever. O resultado foi criar uma história completamente baseada em outras pessoas. Não há nada da L. L. Alves ali. Por um lado, foi incrível, pois parei com a mania de me colocar nas personagens; por outro, a dificuldade em deixar a personagem verossímil foi maior. Em um mês passei das 50 mil palavras e em janeiro deste ano concluí a história. Até hoje apenas uma pessoa leu (o Arthur da vida real, por assim dizer rs) e o retorno foi magnífico. Temia falar sobre um assunto que não domino por completo, ou acabar ofendendo sem querer, mas não foi o que aconteceu. Assim que postei nas redes sociais que tinha concluído este livro e especificado sua temática LGBT, teve uma enxurrada de comentários de leitores que desejavam ler (mais do que normalmente acontece). Ainda não decidi publicá-lo, pois tenho outros projetos na frente e preciso lapidá-lo melhor. Contudo, já percebi interesse por parte das editoras neste livro, especialmente por abordar a temática LGBT. Em breve pretendo voltar nele, tanto por estar ansiosa para que meus leitores conheçam o Arthur, quanto por desejar que esta história ajude muitas pessoas que passam por problemas similares em sua vida.
Maicon Santini – Co-autor de Over The Rainbow.

A sensação de revisitar um clássico da literatura infantil abordando essa temática LGBT é a sensação de inclusão. De ver que nós LGBTs também temos direito a fadas, príncipes, princesas e histórias mágicas. Não senti nenhuma dificuldade na criação, não… Foi uma delicia soltar a imaginação e criar um conto de fadas sem barreiras, sem regras, sem padrões sociais impostos a nós. Eu acho “Over The Rainbow”, pelas pessoas que uniu, pelo público que representa, pelas histórias que conta, uma obra magnífica. A comunidade LGBT precisa de união, representatividade e qualquer coisa que contribua pra isso, como nosso livro faz, é sempre um presente. São histórias que falam da gente, pra gente, feito por gente da gente.
Regiane Winarski – tradutora de Garoto Encontra Garoto e outros.

Sou tradutora há 8 anos e meio, e há dois anos tive minha primeira experiência com a tradução de um livro de temática LGBT: Garoto Encontra Garoto, do David Levithan, publicado pela Galera Record. Foi ao mesmo tempo uma experiência natural e catártica pra mim. Natural porque nada ali me surpreendia, me impressionava, me incomodava; ao contrário, sempre acreditei que cada pessoa devia cuidar da sua vida como bem entendesse, desde que não fizesse mal a ninguém. Catártica porque, apesar da idade, minha adolescência ainda é uma lembrança muito fresca e forte na minha mente, e fiquei pensando em como teria sido maravilhoso se os jovens da minha geração tivessem tido a oportunidade de ler livros assim. Desde então, foram vários outros do gênero, alguns já publicados, outros a caminho. Amo todos e me orgulho de todos, e desejo que sejam cada vez mais lidos, por gente de todas as idades. Vejo esses livros como uma porta que se abre para quem os lê, uma porta para a compreensão, para a empatia, para a aceitação. Para os jovens LGBT que estão lutando com as dúvidas tão normais da adolescência e que podem ganhar proporções astronômicas para eles, vejo como um abraço de aceitação, de apoio, de força para seguir em frente sendo quem são. Precisamos de mais livros do gênero, precisamos de mais gente contando suas histórias, sejam reais ou fictícias. Precisamos de representatividade. Sinto uma satisfação indescritível de fazer parte disso ao menos um pouquinho, de poder emprestar as minhas palavras para trazer a mensagem desses autores incríveis para os leitores brasileiros, de poder ajudar a derrubar alguns tijolos do muro que tanto atrapalha a compreensão humana. E sigo acreditando que é com o diálogo aberto, a representatividade e o compartilhamento de experiências que conseguiremos um dia ter um mundo melhor.
Beijos e até a próxima!
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